© Rubens Queiroz de Almeida
Muitos anos atrás, quando eu era professor de inglês, recebi a incumbência de exibir semanalmente um filme em inglês para os alunos. Eram os primeiros anos do videocassete, acho que em 1980 ou 1981. Os filmes vinham pelo correio de uma videolocadora no Rio de Janeiro. As cidades ainda não tinham videolocadoras em cada esquina. E os vídeos também não tinham legendas. Para entender alguma coisa, só sabendo falar bem a língua inglesa. Bem, isto é a teoria.
Além da grande responsabilidade de operar o videocassete, caríssimo, eu tinha que assistir aos vídeos. O primeiro filme chamava-se Síndrome da China, com Jane Fonda. Para a estréia havia um grande número de pessoas, umas cinquenta, eu acho. A sala estava cheia. E o filme começou. Não entendi quase nada, uma ou outra palavra, aqui e ali. Me lembro de ter entendido alguns “Hello“, outros “Goodbye“, uns “f*** you” e por ai vai. Era um filme tenso, dava para ver pela expressão facial dos atores. Além de operador de videocassete, eu era também o professor, cheio de diplomas e que supostamente estava entendendo tudo. Eu olhava, despistadamente, para os outros alunos e pensava se era só eu que estava boiando. É claro, eu fazia cara de inteligente. Não podia ser desmascarado, o meu ganha-pão dependia daquele emprego.
Na semana seguinte, lá estava eu novamente, para exibir o filme da semana. Desta vez, a audiência tinha declinado consideravelmente. Acho que havia umas dez pessoas por lá. Novamente, não entendi quase nada do filme, além dos customeiros “hello“, “goodbye“, etc. Da terceira semana em diante, somente uma aluna comparecia às sessões. E eu continuava sem entender coisa alguma. E ficava meio revoltado de ter que perder a minha tarde de sábado, assistindo filmes que eu não entendia, e tudo isto para apenas para uma pessoa. Mas o pior é que eu não podia falar nada, pois supostamente eu estava entendendo tudo.
E esta história se desenrolou por uns seis meses. Um belo dia, ao assistir um filme, acho que deu um click na minha cabeça e entendi o filme inteiro. Bem assim, do nada, a coisa mudou. Nem acreditei. Eu nunca teria tido paciência para assistir tantos filmes sem entender nada. Ainda bem que fui forçado. Acho que em todos aqueles sábados alguma coisa foi se acumulando na minha cabeça e sendo processado de alguma forma. Ao final do processo, minha compreensão da língua inglesa falada tinha dado um enorme salto.
Nos próximos sábados, ao invés de lamentar o tempo perdido, passei a esperar ansiosamente pela oportunidade de assistir mais um filme. Lembre-se, eram os anos 80 e ninguém tinha videocassete e muito menos filmes para assistir. E eu podia desfrutar do privilégio praticamente sozinho. Mas, um belo dia, assisti um outro filme em que, novamente, não entendi nada. Bateu uma baita frustração. Era um filme com o ator Burt Reynolds, sobre caminhoneiros americanos. Do Texas. Bom, na época eu não sabia, mas o inglês falado no Texas é bastante peculiar. Incompreensível para os não iniciados. Só fui saber disto muitos anos mais tarde, em uma visita aos EUA, em que encontrei um texano. Para minha surpresa, ele podia alternar entre um inglês que eu compreendia e outro, de sua terra natal, que era impenetrável.
Isto serviu para que eu removesse algumas de minhas crenças equivocadas. Uma delas é que um dia seremos capazes de entender tudo. Mentira. Existem regionalismos, pessoas que falam claramente, outras nem tanto. Se você está assistindo a um filme na TV, sua compreensão vai depender da qualidade do som da sua TV. No cinema é a mesma coisa.
Indo mais longe, se você não estiver familiarizado com o assunto sendo discutido, você pode até entender as palavras, mas não conseguirá absorver a mensagem. Enfim, existe uma diversidade enorme de fatores que influenciam a sua compreensão do inglês falado, não basta apenas conhecer o idioma. Eu sempre digo, para entender e falar bem um idioma estrangeiro, devemos conhecer bem o nosso próprio idioma. Ler muito, mesmo em português, vai lhe ajudar a aprender mais facilmente qualquer outra língua.
O mais curioso, entretanto, é que nos impomos metas irreais em nosso aprendizado de uma língua estrangeira. Ignoramos o fato de que em nosso próprio idioma encontramos as limitações de que falei anteriormente, mas não nos damos conta disto. Temos dificuldade para entender algumas pessoas falando português, vamos ao cinema e não entendemos tudo do filme. A mesma coisa às vezes acontece quando assistimos TV. Mas não nos importamos. Se por outro lado, isto acontece quando estamos assistindo a um filme em inglês, e não entendemos, ficamos frustrados e pensamos que não temos habilidade para aprender línguas. Nos recusamos a ficar felizes em vista do que conseguimos entender, temos a eterna e maldita tendência a olhar para o lado errado, para o que não conseguimos fazer.
Mas tudo é tão simples e fácil, é só adotarmos uma postura correta. Hoje, depois de mais de trinta anos envolvido com o aprendizado e o ensino de idiomas, não posso dizer que tenho uma compreensão plena de tudo que ouço, pois isto é impossível, até para nativos do idioma. Mas aprendi que cada dia é um aprendizado novo, e este processo nunca vai se encerrar. Todas as línguas mudam, a forma de se falar muda, palavras novas aparecem e as pessoas falam de forma diferente. Se conseguirmos tomar consciência deste processo e passarmos a nos alegrar genuinamente com nossas conquistas e encararmos naturalmente nossas dificuldades, o aprendizado será mais rápido, mais prazeroso e muito mais divertido.
Para encerrar, vejam o filme a seguir. É em português, mas não é tão fácil de se entender tudo. Precisamos das legendas para nos ajudar em algumas passagens. Divirtam-se!